quinta-feira, setembro 25, 2008

O Gladiador

[Crítica ao programa "Momento da Verdade"]

Confesso que o Big-Brother nunca me causou grande confusão.
Era um programa fraquinho, é certo, mas no fundo era uma telenovela barata com um argumento ainda mais banal.

Não era gajo para me candidatar a um Big-Brother. Para além do não-interesse, o "desafio" de viver com mais 10 [?] pessoas na mesma casa não me é totalmente estranho: sou do IST e estudo no Aquário.

Considero que ir para um Big-Brother é uma ideia decadente, e nem mesmo a desculpa da "experiência" salva a situação, no entanto o Big-Brother permitia [embora poucos estivessem interessados] manter a minima dignidade. Um participante podia ficar no seu cantinho sem levantar ondas e ainda que correndo o risco de ser expulso, não se expunha mais que o necessário.

Notem que não pretendo defender o Big-Brother. Pretendo apenas mostrar que é sempre possivel escavar mais fundo.

Falo do "Momento da Verdade". Ao lado deste, o "Big-Brother" parece cultura.

Faz-me confusão. Não falo só dos participantes que se sujeitam à humilhação. Não falo só dos acompanhantes que são humilhados pelos que mais gostam [...!]. Falo também do Circo Romano que hoje "aceitamos" tacitamente.

Há dois mil anos era normal assistir a torturas e a lutas até à morte. A multidão vibrava e alimentava-se de um espectáculo que hoje consideramos decadente.

Consideramos decadente apenas na forma, porque o conteúdo, esse, é demasiado bom para perder.

Vamos ter com a Dona Estefania, a senhora que mora 'ali' e abomina as touradas e perguntemos-lhe se gostava de ir assistir a uma luta de gladiadores. 'Ai que horror menino!' - grita a virgem.

Mas o gozo que ela sente ao ver a humilhação de um anónimo, que admite que já dormiu com dez mulheres no último ano, à frente da esposa, não será tão mórbido quanto o prazer de ver uma luta?

Continuamos tão decadentes como os nossos antepassados que pagavam para verem uma boa facada, mas pior, agora estamos mais refinados. Sob a capa de uma inocência aparente, reagimos com o mesmo gosto que os "bárbaros" dos romanos mas apaziguamos a nossa alma ao sabermos que os nossos "gladiadores" não são obrigados a estar ali e ainda por cima ganham dinheiro!

Ganham dinheiro!

Uma mulher que se despe a troco de dinheiro é uma prostituta.

Um participante que se despe a troco de dinheiro é um corajoso. Ou, no pior, um mercenário.


E num só programa é possivel reunir o topo da decadência humana: uma mistura de gladiadores com prostitutas. No horário nobre.

Dilacerar, humilhar, a troco de dinheiro, para ... satisfazer o público, que bate palmas e ri com uma alegria verdadeiramente suína - a chafurdar é que se está bem.


Este post começou a ser fermentado em P.C. Por vezes ver um pouco [neste caso a versão inglesa] desperta-nos.



[PS: o post das bicicletas não está esquecido! Mas este tinha mesmo que ser escrito e editado.]

5 Comentários

At setembro 25, 2008 11:11 da tarde, Blogger Pedro de Arimateia said...

análise absolutamente genial e digna de uma coluna nalgum jornal mais de nivel!

 
At setembro 26, 2008 10:31 da manhã, Blogger Mith said...

Eu só acho que te esqueceste de um aspecto mto positivo... pelo menos para mim!

Ao ser confrontar com este lixo que tão bem descreves, senti uma enorme necessidade de me afastar da televisão e continuar a ler o meu livro...

 
At setembro 27, 2008 10:40 da tarde, Blogger Joana Marto said...

:) concordo plenamente. E tb com Mith :)
Na verdade é triste como parece que o dinheiro justifica tudo...
Só mesmo bom, nisto tudo, é continuar a haver espírito crítico e nascerem estes posts execelentemente bem escritos. e toda a metáfora muito bem feita!

(não, não estou a dizer isto por me estares a ameaçar com um cutelo com picos!)

 
At setembro 28, 2008 6:07 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Ola. Apesar d concordar com o q dizem penso q estas humilhações nao se podem comparar mto à barbaridade das lutas romanas e actuais touradas, se bem q sejam programas de mau gosto e perfeitamente despreziveis.

A diferença (e ainda é grande) e q estes nao envolvem violência e os participantes escolhem ir la "fazer figuras tristes". É assim o povo, mas só é magoado quem quer. Por isso, nao digo q o facto de as pessoas quererem submeter-se a isto é pior; penso antes q o q existe agora é estupidez.
***

ps: excelentemente existe? :P

 
At outubro 07, 2009 4:27 da manhã, Blogger Anabela said...

Lol! Interessantes os teus posts!
Bom, só tenho a dizer que são mentalidades... sabes que a evolução não é assim tão rápida quanto se julga, e apesar de alguns conseguirem ser excepção, como podes adivinhar, só vão confirmar a regra: somos brutos, animais nos vários sentidos... (estou a generalizar, ãh?)o meu professor de antropologia é que teria a falar sobre isso... mas gostei do apontamento!

 

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