quarta-feira, abril 06, 2011

(Des)ilusão

O primeiro post deste blog em 2011 foi sobre as desilusões dos outros. O post de 27 de Março foi sobre uma desilusão pessoal. Este será sobre uma (des)ilusão colectiva.

A 12 de Março deste ano aconteceu uma manifestação pacífica, com particular expressão em Lisboa, baptizada de "Protesto Geração à Rasca".

Não participei no protesto porque, globalmente, pareceu-me a manifestação de uma ilusão que se enraizou na nossa cultura.

Ponto prévio: encontro-me numa das situações referidas como precárias pelo manifesto do protesto.

Tópicos principais, retirados desse manifesto:


- Pelo direito ao emprego!
- Pela melhoria das condições de trabalho e o fim da precariedade!
- Pelo direito à educação!
- Pelo reconhecimento das qualificações, espelhado em salários e contratos justos!
 Nós, desempregados, “quinhentoseuristas” e outros mal remunerados, escravos disfarçados, subcontratados, contratados a prazo, falsos trabalhadores independentes, trabalhadores intermitentes, estagiários, bolseiros, trabalhadores-estudantes, estudantes, mães, pais e filhos de Portugal.


1. Começando pelos pontos consensuais: o direito a (uma boa) educação, salários justos, condições de trabalho, o fim dos falsos recibos verdes e estágios não remunerados (entre outros) são, por si só, motivos mais que suficientes para um protesto. Não podemos ambicionar um país evoluído enquanto estas questões, de elementar justiça, não forem resolvidas.

2. Então, porque razão não estou de acordo com o protesto?  Parece-me que, tirando alguns casos específicos que já referi, ainda não se percebeu que o verdadeiro problema -  o desemprego (e em parte, a precariedade) não se combate apenas por decreto. Há uma grande diferença entre uma geração qualificada e uma geração estrategicamente qualificada.

Olhemos para o caso do Vasco, licenciado em Cinema pela Universidade da Beira Interior. É responsabilidade do país arranjar-lhe emprego na área? É suposto o país, com dificuldades de financiamento e com graves lacunas em áreas prioritárias, investir para que exemplos com este e outros (como o caso do jovem que estava em "Estudos da Paz") tenham necessariamente emprego na sua área de formação? Será que todas as áreas de formação tem necessariamente valor acrescentado para o país? Sim, estou a pensar outra vez no caso dos "Estudos da Paz".

Como é que uma geração pode exigir que lhe seja dado emprego se depois não pode responder ao que o país verdadeiramente precisa?


Olhemos para o caso dos cursos de psicologia. É suposto sair um decreto que nos obrigue a ir todos os meses ao psicólogo, só para aumentar a procura? Caso contrário, que motivos é que um licenciado em psicologia tem para protestar (para além dos já referidos em 1.)?


3. Enquanto não estivermos dispostos a perceber o problema também não vamos encontrar a solução; a manif torna-se (quase) inútil e acaba por ter um efeito adverso: continuamos a alimentar a ilusão que qualquer qualificação por si só é sinónimo de emprego. Nunca poderia ser assim...

Reduzindo ao absurdo, parece-nos óbvio que se 99% dos licenciados fossem médicos, não haveria emprego para todos. Parece-nos óbvio que pouco haveria a fazer, da parte do governo, para dar emprego (na área) a uma classe em excesso.

Se este caso absurdo parece óbvio, porque é que não se aceita com a mesma naturalidade que para outros casos (reais) possa acontecer o mesmo? E nesse caso, protesta-se contra o quê (outra vez, para além dos casos referidos em 1.)?

4. Temos andado a desperdiçar recursos humanos e financeiros em soluções que não servem ao país. Corremos atrás das estatísticas. Quantos mais licenciados, melhor. Mas em quê?? Vão ao encontro daquilo que é necessário?


"Pelo direito ao emprego" e "Pelo fim da precariedade" são precisamente os dois primeiros motivos do protesto. Se em vez disto fosse "Por uma estratégia de educação e investimento", estar-se-ia a apontar para o problema e para a solução.

Perdeu-se (mais) uma oportunidade...





Nota: a data de publicação deste post nada tem a haver com a anunciada vinda do FMI. Este post foi iniciado há vários dias, é apenas uma infeliz coincidência.